quarta-feira, 6 de abril de 2011

Com Pedro no Barco


Autor: Boaz Rios

A morte não é nada fácil para ser aceita, e quando envolve pessoa do valor e importância de Jesus Cristo, torna-se, ainda, mais incompreensível. O relato encontrado no evangelho de João, capítulo 21, apresenta um cenário que se inicia ainda fúnebre, triste e desesperançoso. Isto nos instiga à reflexão, e à tentativa de compreensão do comportamento do apóstolo Pedro que, a partir daquele momento, entrará no barco acompanhado de outros discípulos, lançará redes ao mar durante toda a noite e, logo pela manhã, encontrará  Jesus na praia, comerá e conversará com seu mestre.
Quem era Pedro e quais fatos marcaram a sua vida? Este é o primeiro ponto que merece uma reflexão. A vida é cheia de ocorrências, boas ou ruins, que pouco a pouco formam o quebra-cabeça. Na ótica Divina, existe perfeição em tudo. Diz a música do poeta Stênio Marcius que "o tapeceiro não se engana, vai fazendo o seu trabalho",mas quem observa de fora não entende o desfecho, não sabe que, no fim, tudo se encaixa, tudo se explica, tudo coopera para o bem.
Fatos importantes marcaram a vida de Pedro, como o seu chamado quando pescava juntamente com seu irmão André. Durante os três anos que andou com Jesus, ouviu os seus ensinamentos, presenciou os seus milagres, assistiu extasiado ao espetáculo da transfiguração, experimentou dos momentos angustiantes do Getsêmani e, por fim, protagonizou uma traição hedionda ao dizer: "Não conheço esse homem, não sou um deles".
E agora Pedro? O vazio. Tudo que passou, não faz mais sentido, pois a morte impôs o seu fim. Tudo perdeu a razão, o sentido e o propósito. Momento como esse, totalmente incompreensível aos olhos humanos, revela a grandeza do tapeceiro que conhece toda a peça, do pintor cuja mente já imaginou a gravura, como também, evidencia a limitação da vida natural que se materializa, necessariamente, parte por parte.

A reação assumida por Pedro em voltar ao mar, entrar no barco e ir pescar, é o segundo ponto a ser analisado. Imaginando um desnorteio aparente, presume-se três opções possíveis: insistir na mesma direção, desistir completamente ou voltar para o começo. Esta última foi a opção escolhida por Pedro ao dizer aos seus companheiros: "Vou pescar". Tal atitude, afigurando pretensão de coerência e lógica diante do quadro caótico exposto, conduz à conclusão de que o sonho acabou e restou somente a dura realidade.
Qual é a realidade que se pode referir? À única que se conhece, que é apresentada, que se prende ao fato que a torna real. Para onde esta realidade conduz? Por um lado, pelo olhar pragmático, a realidade conduz até onde os olhos enxergam. Por outro lado, o olhar cético informa que o futuro será determinado pelo destino. Ambos entendimentos guardam limitações intransponíveis à mente humana com as quais não se pode compreender algo que se apresenta parte a parte, ou seja, que se modifica constantemente por variáveis indefinidas.
O olhar pragmático, primeiramente, permanece preso às possibilidades de utilização dos meios disponíveis para a obtenção de alvos conhecidos. Uma verdadeira rotina de mediocridade, em busca de fazer, consumir, acumular e perder, sem que haja uma certeza sequer que vá além do fático e do concreto. Por outro lado, o pensamento cético, desassocia a fé das possibilidades futuras, atribuindo todas ocorrências ao acaso, feito obras do destino. Longe do pensamento que pairava a mente fiel de Jó ao afirmar que os dias dos homens estão todos contados por Deus (Jó 14:5), ou da confiança do Rei Davi em acreditar que os seus dias estão nas mãos do criador (Salmo 31:15).
Ocupar-se com as coisas das vida não resolve o quebra-cabeça, colocam-se e removem-se peças, mas os buracos persistem, como se o certo não existisse. Para o Sábio Salomão, tudo não passa de vaidade, sabedoria, riqueza, poder, enfim, coisas que vem e que vão, de maneira que persegui-las é como correr atrás do vento (Eclesiastes 2:26). Assim como Pedro e seus amigos, trabalharam durante toda a noite e nada pescaram.

Por fim, o que se vê: Jesus está na praia. Ele não desiste do seu propósito de conduzir todos os escolhidos para junto do Pai. Jesus chama, adverte, defende, protege e advoga apresentando-se como sujeito modificador da culpabilidade, afinal, Ele levou sobre si todas as maldições (Isaías 53:4).
Com Jesus, o trabalho é abundante, dá resultado. O menor esforço gera um produto muito superior, porque a ação dá lugar a fé. Ouviram a palavra de Jesus, acreditaram e lançaram as redes e já não podiam puxar tamanha a quantidade de peixes que haviam pescado.
Tal como na visão inspirada do Rei Davi no Salmo 23, Jesus prepara a mesa, como sinal de benção, de comunhão, de vitória. Não há palavra a dizer ao Mestre fiel, amoroso e persistente,que perdoa a limitação dos seus discípulos por conhecer a fragilidade humana. Não há o que dizer, a não ser que Ele mesmo pergunte.
E agora Pedro? Depois de tudo que lhe fiz, que lhe ensinei e demonstrei. Só lhe tenho uma pergunta: Pedro, Tu me amas? E repetiu uma, duas, e na terceira vez, Pedro exclama de forma óbvia para uma criatura frente ao seu criador: Senhor, Tu sabes todas as coisas. Está aí o completo esvaziamento pretensioso de justiça ou sabedoria próprias, pois Jesus sabe de todas as coisas. Toda ação mal feita, não terminada, desistida, não importa, É ele quem completa, quem apresenta a gravura perfeitamente acabada.

É importante refletir sobre as marcas da vida. Uma imensidão de sentimentos, lembranças, frustrações, decepções, mas também, conquistas e orgulhos. Tudo forma a realidade conhecida, exposta de maneira a inquirir constantemente que se tome uma decisão: seguir, voltar ou desistir. Entrar com Pedro no barco, trabalhar arduamente para ganhar a vida, deixar as coisas acontecerem por conta do destino, ou sentar-se emudecido com  Jesus na praia. Caso a escolha seja a companhia de Jesus, a pesca será abundante, o amor jamais acabará, haverá paz e a harmonia preencherá as cores da alma.

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