sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Política cristã entre altos e baixos

Os cristãos desempenham um papel na política brasileira que transita nos mesmos passos oscilantes da participação da própria sociedade. Digo isto, porque em momentos de maior participação popular, encontraremos evangélicos marcando posições. Todavia, quando a participação popular se esvazia, ou quando é forçosamente esvaziada, as participações evangélicas desaparecem ou se ocultam. Parece cada vez mais distante a designação que marcou o movimento da Reforma, ou seja, protestar frente ao status quo, contrapor-se ao poder dominante.

Num posicionamento contrário e marcante, menciono o Rev. Eduardo Carlos Pereira, fundador da Igreja Presbiteriana Independente, que, ainda diante da prática escravocrata brasileira, declarou com convicto destemor no jornal "O Estandarte" ser a escravidão incompatível com a fé cristã. A partir da década de 1960 vários pastores e líderes foram perseguidos e silenciados diante do golpe protagonizado pelos militares à democracia brasileira. Infelizmente, diante da perseguição aos direitos democráticos e legítimos da sociedade, a igreja evangélica silenciou-se. Não percebi, de modo mais explícito, a colaboração da igreja evangélica no processo de redemocratização, a não ser, algumas referências vergonhosas sobre supostos votos de parlamentares evangélicos que apoiaram a ampliação do mandato de Sarney.

Estamos, agora, numa nova era. Nesses últimos tempos ocorreu uma retomada do interesse eclesiástico pelos assuntos inerentes à política. Muitos evangélicos colocam-se como candidatos em diferentes partidos e alguns partidos denominam-se como cristãos, a exemplo do PDC e PSC. Sempre acreditei no evangelho que transforma, afinal são as boas novas de grande alegria, ou no dizer do apóstolo Paulo: "Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação" (Romanos 1:16).

Não tenho dúvidas: O poder de Deus não sofre limitação de nenhuma ordem, tão pouco seria ineficaz no ambiente político. Ainda que olhemos para o ambiente político e o consideremos corrupto e inóspito, mesmo assim, a ação do evangelho é capaz de renová-lo. O absoluto poder de Deus atua por dentro do sistema ou por fora dele, bastando que existam testemunhas fiéis que não se deixem contaminar pelas finas iguarias do rei (Daniel 1:8). A influência regeneradora do evangelho que alcança a sociedade independe de apoio ou permissão governamental, mas também, independe da posição sectária que distancia-se da política.

Quando falo em política, não me refiro aquela que se desenvolve somente no ambiente partidário, mas estende sua atuação para todos os setores da sociedade a fim de alcançar dois objetivos: 1) construir um consenso na sociedade; 2) Transformar esse consenso em poder hegemônico. Portanto, a tarefa cotidiana da política é a do convencimento. Divulgar e debater idéias que sejam transformadoras para a realidade social caótica e desesperançosa.
Na língua inglesa há diferença entre os termos: Policy - Política internacional, de saúde, educação, desenvolvimento social, etc.; e, Politics - Debate parlamentar ou disputa pelo poder. Não encontramos esta distinção na língua portuguesa, em todo caso, parece cada vez mais difícil dialogar na sociedade do ponto de vista da construção de políticas de interesse social e, raramente, encontraremos tais discussões dissociadas das manipulações partidárias.

A influência cristã, entretanto, pode estar presente na política que se constrói no âmbito dos partidos e da atuação governamental, como também, na forma como os temas importantes da sociedade são tratados e analisados do ponto de vista da ética cristã e dos ensinamentos bíblicos. Trata-se, neste último caso, da influência cristã nas políticas, que somente será alcançada com a abertura de diálogos temáticos nos diversos espaços, presenciais ou não presenciais, que confrontem as inquietações da sociedade com as verdades bíblicas. Mesmo que admitamos ao cristão não envolver-se com a política (poder), de maneira alguma aceitaríamos que ele não se envolvesse com as políticas, pois trata-se efetivamente da manifestação do comportamento cristão, ou seja, ser sal e ser luz, ou no dizer do apóstolo Paulo: "Exalar o bom perfume de Cristo" (2 Coríntios 2:15).

O Próprio Mestre advertiu sobre o perigo e as consequências da atitude incoerente, seja quando nega as qualidades inerentes ao caráter cristão (neste caso, o sal torna-se insípido), ou quando se exime de revelar as verdades do evangelho (neste caso, a luz é escondida). Nosso Senhor conclui afirmando que, no primeiro caso, a falta de sabor deixa o sal sem nenhum valor e que, no segundo caso, a luz deve ser colocada de modo a iluminar toda a cidade.

É nesta perspectiva que o evangelho propaga-se como o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. Pode-se perceber sua atuação em grupos de empresários zelosos por políticas que estimulem o desenvolvimento econômico, por grupos de jovens que discutam melhorias no sistema educacional, por mulheres que se associam contra abusos e violências, pela prática da ação social por igrejas e ONG's, e assim por diante.

Remodelar as estruturas corrompidas da política nacional é o desafio que se apresenta para a igreja cristã. Seja no poder, ou fora dele, o testemunho cristão autêntico profetisa, denunciando as injustiças sociais, reaviva as esperanças, numa mensagem propositiva de relações mais equilibradas na sociedade. Acreditando, sempre, no valor e poder do evangelho, que muda o caos em benção, como diz o salmista, passa pelo vale árido e transforma-o em manancial.