quinta-feira, 3 de março de 2016

Tristeza tem fim, felicidade não!

Por Boaz Rios

Nos versos da bela canção de Vinícius de Moraes e Tom Jobim a felicidade está relacionada a momentos de extremo prazer e beleza, porém, logo esvanece. Seja a pluma que voa, a gota que cai, o carnaval que acaba ou a frustração de não ter os beijos da mulher amada, a poesia enfatiza a tristeza que não acaba, conflitando com a alegria passageira.
Em alguns versos de Cecília Meireles, a poesia da tristeza se revela num desejo inalcançável que domina toda a vida impedindo a possibilidade de qualquer outra alegria: “Sou triste porque a minha alma não quer mais nada, do que tem... Porque a minha alma não pode ter nada mais... Sou triste, sou triste, sou triste porque sonhei coisas inalcançáveis, que se não devem sonhar!...”. 
Essas são algumas impressões que se tem da felicidade, pois na vida ela é desejada, perseguida e apreciada, no entanto, rapidamente se apresenta passageira, sutil e, às vezes, ilusória e decepcionante. A felicidade, também, pode ser alcançada através das realizações, ou seja, em razão do sucesso obtido nos empreendimentos pessoais, nos relacionamentos, ou em outras áreas da vida. Melhor ainda, quando se fica feliz no sabor da surpresa, quando se chega a um prazer inesperado, fortuito, para o qual, em nada se colabora e somente dele desfruta. 
Percebe-se ser tão fácil atrelar a felicidade a espaços, momentos ou circunstâncias, sendo que a sua fugacidade empresta lampejos de alegria à vida cheia de tristezas e decepções. Por outro lado, aumenta-se a distancia entre os conceitos "ser feliz" e "estar feliz". Quando se pensa em momentos, circunstâncias, ou demais fatores que ensejam a felicidade, então, o conceito é o de "estar feliz". No entanto, "ser feliz" é uma predisposição, um impulso imanente capaz de persistir, inclusive, diante das condições adversas. Seria isso possível? Por mais que a felicidade pareça circunstancial para alguns, por certo, encontramos muitos que são felizes apesar das circunstâncias.
Alguns filósofos já discorreram a respeito da alegria que antecede condições externas ao próprio indivíduo, como em Espinosa, no qual a alegria é potência de agir, ou em Soren Kierkegaard, quando afirma que a alegria chega a ser inexplicável, como vemos:
Há uma alegria indescritível, que emana através de nós tão inexplicavelmente como quando irrompeu            do Apóstolo sem aparente motivo: “Alegrai-vos, e novamente vos digo: alegrai-vos”. Não uma alegria             sobre isso ou aquilo, mas um grito sincero de toda alma “com a língua e boca do fundo do meu                       coração”. [Søren Kierkegaard]

Quando se despedia dos seus discípulos, antevendo a hora de sua partida, Jesus Cristo assim comentou: "Assim acontece com vocês: agora é hora de tristeza para vocês, mas eu os verei outra vez, e vocês se alegrarão, e ninguém lhes tirará essa alegria" (João 16:22).  Nesta frase, o Mestre reconhece a tristeza circunstancial, porém afirma e garante aos seus discípulos uma alegria inesgotável e incondicional.
Ao crer em Deus como razão de tudo, por conseguinte, toda a existência, inclusive a humana, a Ele se submete e dEle depende. Deste modo, quando cremos em Deus desta forma, entendemos os nossos sentimentos à medida que a sua revelação nos alcance e nos ajude nesta autocompreensão, como explica João Calvino: "o homem jamais chega a um conhecimento puro de si mesmo sem que, antes, contemple a face de Deus, e, dessa visão, desça para a inspeção de si mesmo." (CALVINO, J. A Instituição da Religião Cristã, I, L. I e II. São Paulo: UNESP, 2008, p.38).
Então, a tristeza está sujeita a condições, circunstâncias e momentos, porém a alegria é impulso, é potência para agir, é força para viver, como exclamou Neemias: “Este dia é consagrado ao nosso Senhor. Não se entristeçam, porque a alegria do Senhor os fortalecerá” (Neemias 8:10).

É preciso entender a poesia da tristeza no limite das suas condições promovedoras. Logo, a tristeza não tem fim, por exemplo, somente enquanto persiste a fútil decepção de esperar pela alegria do carnaval ou quando aspira coisas inalcançáveis. Contudo, a tristeza logo se dissipa quando se volta para Deus, permitindo por Ele ser renovado, inspirado e conduzido à alegria que não tem fim.