quinta-feira, 15 de outubro de 2015

3º Setor: Voluntariedade e Solidariedade

Roteiro de aula: Boaz Rios

Valores fundamentais que norteiam e distinguem o terceiro setor:

  1. Iniciativa individual - A idéia de que os seres humanos têm a capacidade e a obrigação de agir por autoridade própria a fim de melhorar suas vidas e as dos outros, assumindo as rédeas para fomentar o bem-estar geral.
  2. Solidariedade - As pessoas têm obrigações em relação não apenas a si próprias, mas também ao próximo e às sociedades maiores de que são partes. Eis o que torna a ação organizada e voluntária ainda mais importante que a individual.
O associativismo é característica marcante da participação social nos Estados Unidos. Tocqueville, um dos principais precursores, afirma:

“Entre as leis que regem a sociedade, uma há que me parece mais precisa e definida que todas as outras. Se os homens pretenderem continuar civilizados, ou tornar-se tais, a arte de associar-se deve crescer e aperfeiçoar-se na mesma razão da igualdade de condição. A ciência da associação é a ciência-mãe. O progresso de tudo o mais depende do  progresso que ela fizer”. (A. de Tocqueville)

“Projeto comparativo do setor sem fins lucrativos da Universidade Johns Hopkins”, aplicada inicialmente nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Hungria e Japão, SALAMON (2000:93) constatou que as organizações: não integram o aparelho governamental; não distribuem lucros a acionistas ou investidores; autogerenciam-se e gozam de alto grau de autonomia interna; e, envolvem um nível significativo de participação voluntária. A fonte principal de apoio são as taxas e os encargos sobre serviços, que representam 47% da renda nesses sete países. A segunda mais importante fonte é o governo, que entra com 43%. As doações de  particulares correspondem a apenas 10%.

É nítida a pequena participação de doações nas ONG´s pesquisadas, o que comprova para SALAMON a existência de um mito, no qual o terceiro setor deva limitar a base de suas receitas no voluntarismo. Mesmo nos Estados Unidos, país no qual as práticas filantrópicas e voluntárias têm muita força, as doações só assumem o percentual de 18% da receita das organizações, parcela muito inferior aos 30% de apoio governamental. Em outros países, como na Alemanha e na França, a participação governamental eleva-se para percentuais superiores a 60% das receitas, tornando-se ainda mais significativa.

Nas sociedades latino-americanas o trabalho voluntário e a doação apresentam quatro “feixes de relações”: 1) práticas  de “ajuda”, permeadas de pessoalização e reciprocidade, constituídas nas relações viciadas entre Estado e sociedade num contexto de patrimonialismo e corporativismo, em meio às debilidades cívicas típicas das sociedades latino-americanas; 2) Ações reconhecidas, por seus agentes e pelo senso comum, como militância ou ativismo, e que remetem para o campo bem mais recente e de grande importância na construção da democracia, com ações relacionadas à justiça social, à igualdade e à cidadania; 3) práticas que as pessoas, no senso comum, efetivamente reconhecem sob o termo “voluntariado”, certamente mais restritas e sujeitas à história particular que foi conformando o emprego e as conotações da expressão na região; 4) campanhas atualíssimas de “promoção do voluntariado”, de “doação de tempo e dinheiro”, da “filantropia transformadora” que vêm sendo desenvolvidas através de determinados canais institucionais. (LANDIM, 2002:3)

Na tentativa de aprimorar o princípio da voluntariedade, vários esforços têm sido empreendidos visando uma espécie de “profissionalização” dos voluntários. Objetiva-se nutrir a capacidade de alistar militantes voluntários e capacitá-los de forma a absorverem os valores da organização, e executarem as funções com eficiência e eficácia, o que conduziria a um resultado positivo e efetivo de atuação social.

Evitar o que TEODÒSIO (2002:3) considera como “cidadania em gotas, exercida de acordo com as vontades, desejos e disponibilidades de quem se propõe a ser voluntário e não de acordo com a necessidade imposta pela dinâmica dos problemas sociais”. Iniciativa estatal através de programas sociais e edição de leis que definem e regulamentam essas práticas.

No Brasil, entre os anos de 1979 e 1990, a LBA – Legião Brasileira de Assistência desenvolveu o Programa Nacional do Voluntariado – PRONAV, que foi extinto em meio a denúncias de favorecimentos e desvios de recursos públicos. O modelo hierárquico e elitista, que colocava as mulheres de prefeitos nas coordenações municipais, patrocinava um assistencialismo desqualificado e desprovido de ação para a cidadania.

O “Programa Voluntários”, apresentado pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso em 1997, bem como, a Lei do Voluntariado promulgada em 1998, são novos instrumentos governamentais que anunciam a implantação de uma moderna cultura do voluntariado, que estaria preocupada com o desenvolvimento de uma cidadania-participativa aliada à exigência de eficiência e resultados. Apesar da necessária regulamentação do tema, há um olhar de desconfiança das ONG´s para com a aproximação do governo, no receio de uma possível cooptação ou controle externo.



terça-feira, 13 de outubro de 2015

TERCEIRIZAÇÃO E ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS NA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Roteiro de aula: Prof. Boaz Rios

O Trabalho, como surgiu?
A  Palavra trabalho deriva do Latim TRIPALIUM (instrumento de tortura cujo desenho felizmente se perdeu, mas que era formado por três estacas agudas). Esta palavra passou ao Francês como TRAVAILLER, significando “sofrer, sentir dor”, evoluindo depois para “trabalhar duro”.
Passando para a Inglaterra, acabou surgindo a palavra TRAVEL, “viajar”, com poucas hospedarias e muitos ladrões na estrada, uma viagem era algo muito sofrido, perigoso.
Para os gregos, a atividade humana se dividia em intelectual e física, sendo que a construção do pensamento e o discurso eram nobres e importantes, já a atividade física era humilhante e desprezível.
A tradição judaico-cristã aponta o trabalho como um castigo, resultado do pecado original de Adão e Eva, conforme relata Gênesis: "Do suor do teu rosto comerás o teu pão". O catolicismo romano defendia que o homem recebia uma vocação, a de ser nobre (rico) ou a de servo (trabalhador) e que ambos deveriam desenvolver suas vocações, porém, sem usura, pois era pecado mortal.
Com a Reforma Protestante, Calvino defendeu que a vocação era universal, sem limite, e, portanto, todos deveriam trabalhar, sendo a riqueza uma benção de Deus a partir do esforço humano. Desfrutar dos bens e ter como acudir aos necessitados é agradável a Deus.
Na Revolução Industrial, a venda da força de trabalho tornou-se a forma normal de trabalho e de sustento, porém, o resultado ou o lucro passou a ser fortemente apropriado pelo empregador (patrão). A este fenômeno de apropriação pelo patrão da maior parte do lucro Karl Marx chamou de "mais valia", ou seja, o salário deveria ser maior e o lucro melhor repartido.
Em 1911, com a publicação da obra “Os princípios da administração”, as empresas passaram a adotar como orientação a fragmentação do trabalho, gerando especialização e maior produtividade. Contudo, o trabalhador se afasta do resultado do seu trabalho, o que leva a alienação no processo produtivo e desmotivação.
O termo DESEMPREGO surgiu no século XIX e deriva do latim caumare, que em português significa calma, definindo que estar desempregado seria estar fora da agitação ou esforço atribuído à atividade laborativa.
A Terceirização aparece como evolução desse processo, agora aprimorado com empresas especializadas em determinadas etapas do processo produtivo. Visando a melhor eficácia, as empresas separam atividades inerentes ao curso do processo produtivo (atividade-meio), daquelas que correspondem ao objetivo principal da empresa (atividade-fim). As atividades-meio são as freqüentemente destinadas ao procedimento da terceirização.
No Brasil, o processo de terceirização passou a ser adotado com a chegada das montadoras de veículos na década de 1950. Com a crescente abertura do mercado e a globalização, exigiu-se das empresas brasileiras a modernização dos seus procedimentos gerenciais, visando a redução de custos e a competitividade.
Na esfera pública, foi a partir do movimento conhecido como Reforma do Estado, introduzido no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que a terceirização passou a ser adotada, buscando a redução da máquina estatal e sua maior eficiência. Bresser Pereira, então ministro do Ministério de administração e reforma do Estado-MARE em 1995, defendia que o Estado se incumbisse somente das atividades exclusivas de Estado (políticas, arrecadação, polícia, etc), enquanto que atividades sociais e científicas fossem passadas para organizações não governamentais – ONGs, e outras atividades fossem desenvolvidas por empresas privadas.
Desta forma, na mesma ótica do setor privado, a terceirização no setor público se Justifica a partir dos argumentos de aumento de especialização na realização das tarefas, maior eficiência, redução dos custos fixos e melhoria no atendimento ao público.
Até 2017 a regulamentação da terceirização encontrava amparo somente na Súmula 331 do TST que admitia a contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.
Segundo o Tribunal de Contas da União, em 2013, a Administração pública federal contratou 222 mil trabalhadores terceirizados, com um gasto superior a R$ 21 bilhões.
Sancionada a Lei 13429/2017, definiu-se como Empresa prestadora de serviços aquela destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos (art. 4º A), não restringindo o fato de ser atividade-meio ou fim, ou ser administração pública ou privada. Neste mesmo artigo, permitiu-se a quarterização, ou seja, a subcontratação feita pela empresa prestadora de serviços. Optou-se, também, pela responsabilidade subsidiária e não solidária da empresa tomadora de serviços, o que obriga ao trabalhador acionar judicialmente à empresa de terceirização e, somente em segundo plano, a empresa tomadora dos serviços. A Lei define o capital social mínimo das empresas sendo o valor definido proporcionalmente à quantidade de funcionários, começando na proporção de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para 10 empregados.

As atividades sociais e científicas, por outro lado, passaram a ser desempenhadas, também, por organizações não governamentais-ONGs. Essas entidades, a depender do caso, podem atender a chamamentos públicos via editais, firmar parcerias através de Termos de fomento ou de colaboração, conforme determina o novo marco regulatório do terceiro setor (LEI Nº 13.019, DE 31 DE JULHO DE 2014).

Fontes:
Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2004) Democracy and Public Management Reform. Oxford: Oxford University Press. Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (2005) "Abordagens e Metodologias Ascendentes para o Desenvolvimento de Fundamentos e Princípios de Administração Pública: O Exemplo da Análise Organizacional Baseada em Critérios". Documento apresentado ao Comitê de Especialistas em Administração Pública, Quarta sessão, Nova Iorque, 4-8 de abril de 2005 (E/C.16/2005/3).
MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública. São Paulo, Atlas, 2008.


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Economia Solidária e cooperativismo

Roteiro de aula: Prof. Boaz Rios
Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem.
A economia solidária: Inovadora alternativa de geração de trabalho e renda e uma resposta a favor da inclusão social.
O que é Economia solidária:
  • A economia solidária é movimento que busca contrapor os princípios de produção, comercialização e distribuição de riquezas inerentes ao sistema capitalista, buscando novas relações (sociais, econômicas e ambientais) contrárias:
    - à alienação em relação ao processo do trabalho como um todo;
    - às desigualdades sociais (poder e riqueza na mão de uma minoria, pobreza para a maioria); e
    - aos desequilíbrios ecológicos - visto que grandes corporações tendem a se preocupar mais com o lucro e menos com os danos ambientais que o seu crescimento desenfreado causa. 
    Necessita do envolvimento das pessoas: 
  • De forma associativista e cooperativista, cada um contribuindo com o seu melhor, com o que é possível dentro de seus parâmetros; 
  • Participando do processo desde a sua implementação ou produção até o produto final (comércio justo);
  • Enfocando o equilíbrio ecológico, fator essencial para harmonizar as relações entre pessoas, desenvolvimento territorial e natureza.
    A Economia Solidária possui as seguintes características:
    Cooperação
  • Existência de interesses e objetivos comuns; União dos esforços e capacidades; Propriedade coletiva de bens; Partilha dos resultados e responsabilidade solidária.
  • Envolve diversos tipos de organização coletiva:
  • Empresas autogestionárias ou recuperadas (assumida por trabalhadores);  Associações comunitárias de produção;  Redes de produção, comercialização e consumo;  Grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens etc.); Clubes de trocas etc.
    Autogestão
  • Participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, e decidem sobre ações estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, compartilham a direção e coordenação dos trabalhos, etc.
  • Apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação.
    Dimensão Econômica
  • Motivação que leva a agregação de esforços, de recursos pessoais e de investimentos de empresas e Estado, visando a produção, beneficiamento, crédito e comercialização, de forma solidária e sustentável.
  • Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais.
    Solidariedade
  • Justa distribuição dos resultados alcançados;
  • Desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes;
  • Compromisso com um meio ambiente saudável;
  • Relações estabelecidas com a comunidade local;
  • Participação ativa nos processos de desenvolvimento sustentável de base territorial, regional e nacional;
  • Relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório;
  • Preocupação com o bem estar dos trabalhadores e consumidores;
  • Respeito aos direitos trabalhistas. 
Conjuntura atual
  • Desemprego estrutural e desindustrialização;
  • O que distingue esse “NOVO COOPERATIVISMO” é a volta aos princípios, ao grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos empreendimentos, a insistência na AUTOGESTÃO e o repúdio ao assalariamento.
  • “Como estamos longe de ter no mundo formações sociais em que o modo de produção socialista seja hegemônico, a implantação de cooperativas e outras instituições de cunho socialista é um processo que poderá ou não desembocar numa revolução socialista. Trata-se, portanto, de uma revolução social em potencial, cuja culminação ou “vitória” é uma possibilidade futura”. (SINGER, PAUL. Utopia Militante)
    Resultados:

  • A economia solidária aponta para uma nova lógica de desenvolvimento sustentável com geração de trabalho e distribuição de renda, mediante um crescimento econômico com proteção dos ecossistemas. Seus resultados econômicos, políticos e culturais são compartilhados pelos participantes, sem distinção de gênero, idade e raça. Implica na reversão da lógica capitalista ao se opor à exploração do trabalho e dos recursos naturais, considerando o ser humano na sua integralidade como sujeito e finalidade da atividade econômica.
  • As experiências históricas levam a rejeição de 3 alternativas sociais: 1) Democracia liberal; 2) Capitalismo de Estado; 3) Socialismo de Estado.
  • Apresenta três instâncias fundamentais:  “1] A socialização dos meios de produção, implicando a abolição da propriedade privada dos recursos produtivos e sua substituição pela propriedade social, ou seja, a AUTOGESTÃO SOCIAL;
    2] A socialização do poder político, a participação dos cidadãos livres e iguais na formação coletiva de uma vontade política e no exercício direto da autoridade, ou seja, a DEMOCRACIA DIRETA;
    3] enfim, a transformação do mundo das relações intersubjetivas , no sentido da afirmação da solidariedade, ou seja, a REVOLUÇAO CULTURAL do COTIDIANO”.
    (Seminário Nacional de Autogestão. Joinville, Santa Catarina – 13 e 14/12/03).
    Fontes: