quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Traços da Cultura Brasileira


Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por séculos sem consciência de si... Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros...”

Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro


Vários traços são identificados por alguns estudiosos da cultura brasileira, dentre eles enfatizaremos aqueles destacados, principalmente por Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e por Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala). São eles:

1. Hierarquia – Influências do Sistema Escravocrata:
  • Mundo antigo: alternância entre Conquistados/ conquistadores;
  • Brasil: trabalho escravo, repressão, estratificação social e hierarquização rígida;
  • Família patriarcal: centralidade do poder; obediência servil;
    1. Raízes do Brasil – Sérgio Buarque de Holanda (1936):
    • O Brasil constitui uma sociedade onde: a) O Estado é apropriado pela família;b)Os homens públicos são formados no círculo doméstico;c) Os laços familiares são transportados para o ambiente do Estado; d)O homem age mais pelo coração e tem medo de ficar sozinho.
    • Novos Tempos: Abolição/ República
  • Há na sociedade brasileira um apego muito forte ao recinto doméstico.
  • Há um grande desejo em alcançar prestígio e dinheiro sem esforço. A democracia é um mal entendido.
  • Nossa Revolução:
  • A revolução brasileira é um processo demorado.
    • Marco: abolição da escravatura
    • Brasil: país pacífico e brando
    • Com a cordialidade dificilmente chegaremos a revolução.

    1. Casa Grande e Senzala - Gilberto Freyre
  • "Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos."
  • Gilberto Freyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a história do homem brasileiro. As plantações de cana em Pernambuco eram o cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças: índios, africanos e portugueses.
  • "O que houve no Brasil foi a degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada”. Os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos.
  • "O ambiente em que começou a vida brasileira foi de grande intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua. Os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé em carne.”
  • "A grande presença índia no Brasil não foi a do macho, foi a da fêmea. Esta foi uma presença decisiva, a mulher índia tomou-se de amores pelo português, talvez até por motivos fisiológicos, porque, as sociedades ameríndias ou índias, inclusive a brasileira, eram sociedades que precisavam de festivais como que orgiásticos para provocar nos homens, nos machos, desejos sexuais. O que há de acentuar é o grande papel da índia fêmea na formação brasileira, essa índia fêmea não só através do relacionamento mencionado sexual, mas através do papel social que ela começou a desempenhar magnificamente, tornou-se uma figura capital na formação brasileira."
  • Fora de seu habitat natural, o índio não se adaptava como escravo: morria de infecções, fome e tristeza. Para suprir a deficiência da mão-de-obra escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano importaram negros caçados na África. Agora, as escravas negras substituíam as cunhãs tanto na cozinha como na cama do senhor.
  • "Pôde-se juntar à superioridade técnica e de cultura dos negros sua predisposição como que biológica e psíquica para a vida nos trópicos. Sua maior fertilidade nas regiões quentes. Seu gosto pelo sol."
    1. Hierarquia Conclusão:
  • O Sistema escravocrata definiu uma relação servil entre Senhores e Escravos, e a tendência da estratificação social;
  • A família colonial forneceu a idéia da normalidade do poder, da respeitabilidade e da obediência irrestrita;
  • A família patriarcal moldou o grande modelo moral, quase inflexível, de centralização do poder e subordinação dos dominados;
  • A miscigenação mascara as diferenças, maquiando a percepção de que existem as discriminações.
  1. Personalismo
  • Ingresso tardio da Espanha e Portugal, via descobrimentos marítimos, no rol de países desenvolvidos da Europa. Sociedade desenvolvida à margem das congêneres européias;
  • Traço decisivo: o personalismo – importância particular atribuída ao valor próprio da pessoa, à autonomia de cada um em relação ao seu semelhante.
  • A verdadeira e autêntica nobreza não transcende ao indivíduo, mas depende das suas forças e capacidades, pois mais vale a eminência própria do que a herdada.
  • A tônica em “Raízes do Brasil” foi mostrar como as “sobrevivências arcaicas” do personalismo, do individualismo infenso a causas coletivas, do familismo e da mentalidade cordial eram contrárias à modernidade, que Sérgio Buarque associava à democracia.
  • O “padrinho” vale mais do que as normas.
  • Relações próximas ao poder é o caminho mais rápido ao topo;
  • Unidade baseada na relação, ultrapassando a esfera social e contaminando as esferas políticas e jurídicas;
  • Homem cordial”: Relacionamentos próximos e afetuosos. Preferimos conciliação e amizade, do que formalismo e legalismo.
  • Paradoxo: Sociedade hierarquizada, mas que busca as relações afetuosas.
  • O “patrão” oferece a relação de trabalho e, também, a de proteção, aspiração e confiança.
  • Resultado: Paternalismo – O pai (superior) ao mesmo tempo que controla o subordinado e o ordena, também agrada-o e protege-o.
  1. Malandragem
  • Em a “Ópera do Malandro”, Chico Buarque mostrou que a malandragem (ou esperteza) se espalhou pela vida nacional:
  • "Agora já não é normal/ o que dá de malandro regular profissional/ malandro com o aparato de malandro oficial/ malandro candidato a malandro federal/ malandro com retrato na coluna social/ malandro com contrato, com gravata e capital/ que nunca se dá mal".
  • De fato, a esperteza é um primeiro passo para a corrupção, que é um fenômeno pelo qual um funcionário favorece terceiros em troco de recompensa particular. O corrupto é um esperto.

    • O esperto é um egoísta.
      De maneira mais ampla, podemos dizer que o esperto é aquele que se servi de um propósito ou instituição.
    • A esperteza (“malícia, manha, astúcia, ardil, malandragem”) traz frutos mais rápidos e requer menos esforço e trabalho.
    • O expert é contra a corrupção.
      O expert é altruísta.
      O expert serve a um propósito,
      a uma instituição.
    • A expertise (“competência
      ou qualidade de especialista”)
      exige determinação, ânimo
      e resistência no longo prazo.
     
  • Características:
    • É flexível, consegue adaptar-se à várias situações;
    • É dinâmico e ativo, busca soluções criativas e inovadoras;
    • É sensível, capta o perfil das pessoas e as características da situação;
    • Sempre procura dar um jeitinho.
  1. Sensualismo
  • Catolicismo tolerante, poligamia dos mouros e moral sexual dos indígenas = Ferocidade carnal.
  • Características do culto associado à manifestações carnais: Carnaval, São João, etc.
  • No Brasil, há uma íntima relação entre a libido e os prazeres do paladar. Vulgarmente, o ato sexual é associado ao ato de comer.
  • Portanto, além de relações afetivas e próximas, tornam-se também sensuais.
  • Não pode existir pecado abaixo da Linha do Equador, face a sensualidade das negras e índias que andavam nuas ou seminuas, sensualidade essa ampliada pelas frutas, temperos e gestos ao andar.
  • "A hiperestesia sexual que vimos no correr deste ensaio ser traço peculiar ao desenvolvimento étnico da nossa terra, evitou a segregação do elemento africano, como se deu nos Estados Unidos, dominados pelos preconceitos das antipatias raciais. Aqui a luxúria e o desleixo social aproximaram e reuniram as raças."(Paulo Prado)
  • "Foram sexualidades exaltadas as dos dois povos que primeiro se encontraram nesta parte da América: o português e a mulher indígena. Contra a idéia geral de que a lubricidade maior comunicou-a ao brasileiro o africano, parece-nos que foi precisamente este, dos três elementos que se juntaram para formar o Brasil, o mais fracamente sexual; e o mais libidinoso, o português.“
  • "Por qualquer bugiganga ou caco de espelho estavam se entregando, de pernas abertas, aos "caraíbas" gulosos de mulher."
  • Os apelos sexuais no marketing são mensagens sexualmente apelativas utilizadas para sugerir ao consumidor que a aquisição e uso de determinado produto farão com que ele fique mais atraente e sensual perante os outros. (Martin Petroll,CLADEA, 2005)
  • Os apelos sexuais apresentam-se na propaganda sob diversas formas:
    a) Características físicas, que se referem à vestimenta utilizada, à atratividade geral e ao físico do modelo anunciado;
    b) Movimentos, incluídos o comportamento e a comunicação verbal e não-verbal do modelo,
    do contexto, como efeitos de câmera, som, iluminação, entre outros. Em outras palavras,
    aspectos que não advêm do modelo;
    c) Distância/interação física de modelos na propaganda;
    d) Voyeurismo, fantasias que a propaganda desperta no espectador. (Reichert; Ramirez, 2000. in PETROL;ROSSI, RAUSP,v. 1, n.2, Jul/Dez 2008)
  1. Aventureiro
  • Apesar do Brasil ser plural em suas formas e representações e o imigrante representar o trabalhador, nosso conjunto social (nossa alma) está mais para o aventureiro;
  • Lei do mínimo esforço; Apego a ociosidade; Macunaíma: “Ai que preguiça”.
  • O trabalho é para escravo. No Brasil, o trabalho manual está associado a desqualificação social;
  • Nos países protestantes o trabalho deve ser exercido por todos.
  • A aparição do contraponto holandês, principalmente no nordeste brasileiro, permite delimitar as diferenças entre o aventureiro ibérico e o trabalhador nórdico.
  • Tudo aquilo que nutre os valores do trabalhador, como a estabilidade, a paz, a segurança pessoal, o esforço sem perspectiva de proveito material imediato, permanece como que incompreensível ao aventureiro, pois advém de uma concepção temporal do mundo. Em outros termos, o aventureiro ibérico não saberia compreender, e ainda menos partilhar, o comportamento social e o comportamento econômico do trabalhador do norte.

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